Esta é a mais recente proposta do governo frente aos desafios do envelhecimento populacional. Você já se fez essa pergunta? E consegue respondê-la?
Somos um Brasil em que cultivávamos praticamente até ontem a juventude como qualidade e diferencial.
Também não faz parte da nossa cultura a educação financeira nos ensinando a poupar para a fase do envelhecimento.
Até mesmo a questão da importância sobre a adoção de hábitos saudáveis desde a infância para se ter menos doenças e limitações ao envelhecer é muito recente.
E fomos ganhando mais anos à vida sem nos atentarmos…
Agora nos deparamos surpresos: como temos tantos velhos? O que fazer com tantas novas demandas e desafios?
Como não podemos parar tudo pra pensar com calma e daí criar estratégias e ações, vemos todo tipo de iniciativa surgindo. Testa-se na prática, ajusta-se no meio do caminho…
Os riscos, assim, são maiores e mais diversos. Na mesma proporção das repercussões a favor e contra.
Não são raras as propostas que beiram a insensatez. Ou que suscitam imensas controvérsias.
A ideia de que ‘Adotar um idoso’ pode ser uma opção eficaz para solucionar o sério problema de idosos em situação de vulnerabilidade e abandono é polêmica. Esta proposta é a mais recente feita pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e divulgada nas redes sociais como ‘um sonho que logo poderá ser realidade’ pela Ministra Damares Alves.
Algumas pinceladas do panorama atual:
- O número de idosos no Brasil, segundo dados do IBGE, cresceu 50% na última década;
- Hoje temos 26 milhões de pessoas com mais de 60 anos, ou seja, 14,3% da população (56% mulheres – 44% homens);
- Em 2027 esse número poderá chegar a 38 milhões de pessoas;
- Em 2060 deveremos ter 73 milhões de idosos correspondendo a 32% da população. Mais idosos que crianças e jovens. Ou seja, 1 em cada três brasileiros será sexagenário ou mais velho.
- O segmento que mais cresce é o de pessoas com mais de 80 anos.
Como pessoas com 80, 90 anos vão conseguir viver sozinhas?
As famílias brasileiras mudaram. Hoje com menos filhos há maior dificuldade em conseguir cuidar dos pais e dos avós – essa convivência entre gerações de idosos tem aumentado.
Há menos renda, o que intensifica a dificuldade de gastos com cuidados assistenciais.
Há cada dia mais idoso cuidando de idoso. E idoso fragilizado que fica sozinho.
Limitações
Não bastassem as complicações de doenças crônicas como Diabetes e Parkinson… ainda há um número cada vez maior de idosos com demências.
Lembro-me de um relato que fiz e chocou um grupo de jornalistas. Numa das visitas domiciliares na periferia de São Paulo me deparei com uma senhora, aos 78 anos, amarrada a uma cadeira. A filha explicou que ela tinha de trabalhar todo dia para o sustento das duas, únicas na família. Já tinha tentando ajuda com vizinhos, com o setor público de saúde e assistência social, sem solução. A mãe com Alzheimer já tinha desaparecido mais de uma vez na região, além de esquecer o fogo aceso que quase incendiou o casebre. Assim, tinha de mantê-la presa em casa durante o dia.
Esse tipo de caso se repete em inúmeros lares. Sem mencionar o contingente de idosos que vivem sozinhos que, segundo o IBGE, chega a 35%.
Mais da metade dos leitos na maioria das ILPIs (Instituições de Longa Permanência) – nome dos antigos abrigos – do setor privado são ocupados por pessoas idosas com demências como Alzheimer, mais difíceis de se cuidar em casa.
Se contabilizar os setores privado e também o público estima-se cerca de 100 mil idosos atendidos em abrigos, conforme pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) realizada em 2018. E a demanda é grande. Há falta de vagas principalmente em instituições públicas. E o número de idosos com mais limitações e necessidade de cuidados, de baixa renda ou sem outras opções de moradia, só aumenta.
Pra ser ter uma ideia de 2012 a 2017 a demanda por abrigos públicos subiu 33% (passou de 45.827 em 2012 para 60.939 em 2017). Isso incentivou o governo a querer investir e criar mais Centros de Convivência (Centros-dia). Porém, muitos idosos não tem para onde voltar à noite.
Estigma da institucionalização
No Brasil ainda enfrentamos o estigma da institucionalização. Decidir por levar o idoso familiar para uma ILPI ainda representa abandono. Gera culpa e vergonha. Um equívoco que se perpetua e precisa de ressignificação.
No país, dados de 2018, no setor público há 1.610 abrigos institucionais, 87 casas lares e 15 repúblicas. São instituições públicas ou filantrópicas que recebem incentivo do governo.
No segmento privado tem aumentando os investimentos em ILPIs e Centros de Convivência, além de outras opções de moradia por parte das construtoras que já identificaram o idoso com renda como um novo nicho promissor.
Adoção é alternativa?
Há muitos desafios a enfrentar para melhorar as condições de vida ao envelhecer no Brasil.
Voltando à proposta da Ministra Damaris, pergunto: você adotaria um idoso?
- Tem condições financeiras para tal?
- Tem suporte emocional para acolher um pessoa de outra família que traz na bagagem uma história de vida com traumas e manias?
- Vai assumir essa responsabilidade?
- Quais os critérios para esse tipo de adoção?
- A família adotante poderá ser criminalizada se abandonar o idoso adotado? (a legislação diz que abandono é crime, com pena de multa e detenção de seis meses a três anos. Abandono entendido como moral, falta de visitas, ou material pela falta de pagamento etc)
- Quem garante que não haverá interesse financeiro da família ao adotar um idoso com aposentadoria?
- A autonomia do idoso seria preservada, como?
- Quem garante que a família adotante não infantilizaria o idoso?
- A família adotante poderá desistir no meio do caminho? E devolver o idoso adotado? Quem assumiria a responsabilidade a partir daí?
- Juridicamente como ficam os direitos? Da família adotante ou da original?
- O governo vai disponibilizar treinamento para as famílias cuidarem desse idoso adotado?
- O governo vai conceder benefícios à família adotante?
- E o que fazer com o idoso com demência e o abandonado sem renda?
- Haverá fiscalização por parte do governo para acompanhar essas adoções? E dará conta de fiscalizar na prática e coibir abusos?
Permitir que famílias adotem idosos e responsabilizá-las por isso é solução para minimizar os efeitos perversos do avanço do envelhecimento populacional brasileiro?
A sensação que me causa é a de que a água está batendo no pescoço e é preciso atirar pra todos os lados, inclusive, delegando responsabilidades.
A essa altura penso ser essencial que todos assumam a parte que lhe cabe no contexto dessa nova realidade: não somos um país de jovens; somos um país com muitos velhos! Nenhum setor pode jogar a toalha…
O crescimento acelerado da população longeva requer mudança urgente de paradigmas, o que tem mesmo de nos levar a refletir mais e a agir rapidamente com responsabilidade.
As áreas são muitas e intercaladas:
- ensinar desde a infância conceitos sobre envelhecimento saudável
- promover interação entre gerações
- incentivar empresas e mercado a aproveitar habilidades profissionais das pessoas com mais de 50 anos
- requalificar a mão-de-obra idosa
- criar mais Centros Dia, IPLIs, Repúblicas e novas formas de moradia compartilhada para pessoas idosas
- qualificar melhor as equipes nas instituições que atendem e acolhem idosos (inclusive para assistir adequadamente idoso com demência)
- criar mais condições para fomentar o convívio social e combater a solidão
- ampliar os programas de cidades amigas de idosos
- adotar educação financeira nas escolas
- incluir conceitos da gerontologia nos currículos em todas as profissões
- desenvolver campanhas para combater o estigma e preconceito e criar um novo olhar, ampliado, para o envelhecer
- estimular hábitos saudáveis em todas as fases da vida
- ampliar a adoção de equipes de Cuidados Paliativos na saúde
- novos programas de incentivo para o público idoso em áreas como lazer, turismo, entretenimento etc
- promover muito mais diálogo com a sociedade e consultar especialistas nas áreas…
O aprendizado é contínuo e em conjunto. Nada faremos sozinhos. Isso vale também para as instâncias governamentais. Tirar do papel propostas contempladas no Estatuto do Idoso e ainda não implementadas é um bom caminho. E em todo o processo saber ouvir para propor as possíveis melhores medidas para que a gente possa envelhecer e viver dignamente neste país. Com nossos velhos.
Em tempo: não pude responder à pergunta se adotaria ou não um idoso pois não consegui considerá-la como solução viável dada a falta de informações sobre critérios de tal proposta.
Lina Menezes
(comunicóloga com especialização em gerontologia)
14/01/2020
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